quarta-feira, 8 de agosto de 2007

É hora de tirar o telefone fixo da tomada?

SÃO PAULO - O cartunista mineiro Eduardo Evangelista, o Duke, de 33 anos, começa mais um processo de criação com o Flash e o Photoshop.

O quartel-general das suas charges e animações é a própria casa, em Belo Horizonte. Desta vez, Duke faz dupla com um ilustrador que está a 40 quilômetros, na cidade de Contagem. Mas poderia ser Tóquio, Istambul ou Camberra. Remotamente, os dois trocam arquivos e falam sobre suas idéias, sem se preocupar com a conta. Nunca a expressão telefone fixo fez tanto sentido — só que com uma nova acepção. O aparelho fica imóvel, mudo, fixo. Quem trabalha é outra dupla: o Skype e a banda larga de 1 Mbps.

Duke aderiu a VoIP há dois anos pela mais habitual das vias de estréia. O objetivo era economizar nas ligações para a irmã que mora em Toronto, no Canadá. “Quando recebi uma cobrança da Embratel de 50 reais por 17 minutos, liguei na hora para questionar o valor”, diz. Ele entrou no Skype pelo sistema peer-to-peer, de computador a computador, e logo trocou a fatura de interurbanos por créditos de 25 reais do SkypeOut. “Agora, falo 20 minutos por 50 centavos”, afirma. O programa acabou virando uma ferramenta de colaboração no trabalho.

O cartunista é um exemplo de como o VoIP começa a silenciar — e até a tirar da tomada — as linhas tradicionais em casas e empresas brasileiras. Uma enquete feita em fevereiro pelo site da INFO com 1 149 internautas mostra que 4,8% deles já abriu mão da linha fixa e só usa voz sobre IP em casa.

Estima-se que o número de provedores VoIP no Brasil chegue a 250. No ano passado, o IDC mapeou 80 deles, sem incluir iniciativas peer-to-peer como o Skype. Juntas, essas empresas arregimentaram 213,9 mil usuários de voz sobre IP e uma receita de 573,3 milhões de reais. É pouco diante do que vem por aí. Neste ano, segundo o instituto, a população chegará a 420 mil, girando 1,2 bilhão de reais. “A baixa penetração de banda larga no país ainda é uma barreira. Mas o WiMAX e o 3G devem estimular um salto no VoIP no fim de 2007”, diz Brendan Mark Conroy, consultor sênior de telecomunicações do IDC.

Na fábrica de equipamentos têxteis Denimmaq, do Rio de Janeiro, o telefone fixo praticamente se aposentou. “Se não fosse pela banda larga, não teríamos mais essa linha”, diz Elias Soteras Júnior, proprietário da empresa. Com clientes e fornecedores espalhados pelo país, a Denimmaq pagava de 2 500 a 3 000 mil reais por mês para a Telemar. Há oito meses, assinou o serviço Vono, da GVT, e agora gasta cerca de 550 reais a cada 40 dias.

Ligado na previsão do tempo? O VoIP está por trás da operação da paulista Climatempo. Desde junho do ano passado, a empresa usa o voipMais, da operadora TMais, com um link dedicado de banda larga de 2 Mbps. O gasto de telefone da Climatempo, usuária intensiva de interurbanos, caiu de uma média de 6 000 reais por mês para 3 500 reais. As linhas fixas viraram backup para o caso de uma queda na banda larga. “A única mudança para os funcionários é que passamos a esperar alguns segundos para receber o tom de discagem, mas isso não atrapalhou a operação”, diz Carlos Magno, diretor presidente da Climatempo.

Dá-lhe matemática!

Ao mesmo tempo em que o uso do VoIP se expande, vai caindo por terra um certo deslumbramento que imperou em suas fases mais embrionárias — o alô a custo próximo de zero. Na prática, nem sempre as tarifas do VoIP são mais baixas que as das operadoras tradicionais, principalmente para quem faz poucos interurbanos. Ainda não se repassou para os usuários boa parte da economia trazida pelo VoIP, e a esperada guerra de preços não se materializou. “O mercado de voz de um modo geral vai mudar. E para o consumidor pouco importa se é pela internet ou não, o que conta é o preço e a qualidade”, diz Leila Loria, diretora superintendente da TVA, que oferece um serviço de VoIP em parceria com operadoras de telefonia.

A melhor opção para cada perfil? Só apelando para a matemática. É preciso avaliar itens como as assinaturas mensais, as tabelas enlouquecedoras de preços com múltiplos horários, a compra de dispositivos como o ATA... “Não existe milagre no VoIP. As pessoas têm de ponderar o custo-benefício”, diz um usuário experimentado da tecnologia, o gerente de trading Francisco da Silva, de 56 anos. Morador de São Paulo, ele adotou a voz sobre IP da Tellfree para falar com os três filhos que moram nos Estados Unidos — pagava 600 reais por mês de interurbanos. Com um ATA do outro lado, as conversas saem de graça.

Mais do que uma alternativa nas tarifas, a sacada do VoIP está na ubiqüidade — a possibilidade de levar o número para qualquer lugar onde exista banda larga —, na sintonia com a web 2.0 e no fato de questionar um modelo de telefone que imperou por 130 anos. Do softfone ao ATA e aos telefones IP e Wi-Fi, o VoIP abre opções praticamente ilimitadas. E tira as operadoras da inércia. “As empresas de telecom ainda dependem 85% de voz no faturamento. Elas terão de ser cada vez mais criativas e trazer novos serviços”, diz Luis Cuza, presidente executivo da TelComp, associação que reúne as operadoras brasileiras.

Na elite do Skype

Só o Skype tem cerca de 9 milhões de usuários no Brasil, o que coloca o país no TOP-5 da empresa, parte do grupo eBay. É um universo de 171 milhões de pessoas registradas. Por aqui, a empresa escolheu como parceiro para seu serviço SkypeIn, que oferece um número para receber chamadas, a operadora Transit Telecom. São 45 mil usuários. Nos laboratórios do Skype, na cidade de Tallinn, na Estônia, uma das prioridades está em aperfeiçoar codecs e estudar novas formas de transmissão de voz. “Vamos começar a trabalhar no 3G”, afirma Alberto Lorente, diretor de desenvolvimento de negócios do Skype para a Europa e a América. Há dois anos, o Skype partiu para a era do vídeo, umas das tendências quentes na VoIP.

No Brasil, o Terra é um dos provedores que investe nessa direção. A versão 3 do Terra VoIP passou a contar com videoconferência, mas ainda não oferece um número para receber chamadas. O serviço estreou há um ano e tem hoje 200 mil usuários, o que corresponde a 15% da base de clientes do provedor. Os engenheiros trabalham agora em aperfeiçoamentos na voz. “Estamos testando codecs que permitam oferecer som estéreo”, diz Paulo Castro, diretor-geral do Terra no Brasil.

Do lado das operadoras tradicionais, o VoIP ainda tem sido uma iniciativa tímida. Até se vende com desembaraço em grandes pacotes corporativos, mas nas linhas residenciais é outra história. Uma das exceções é a GVT, uma empresa espelho, que não tem grande mercado cativo a perder, e criou uma operação separada para o VoIP, a Vono. “Optamos por uma marca independente para ter uma empresa mais ágil, com dinâmica de internet”, afirma Ricardo Engelbert, diretor-executivo da Vono. São várias opções de serviço, com softfone ou ATA, mensalidade fixa ou pagamento de acordo com o uso. Pelo Vono, dá para ligar até para sacar o telefone para falar com endereços do Skype. O serviço está disponível em 151 cidades e tem 35 mil clientes.

A Embratel entrou no VoIP no ano passado com o NET Fone, em parceria com a NET, também do grupo mexicano Telmex. E vem fazendo barulho. O produto fechou 2006 com uma massa de 182 mil assinantes, em 22 cidades. Como na telefonia tradicional, paga-se uma assinatura mensal de 34,90 reais (no plano básico). O internauta instala um MTA, que combina cable modem e ATA. O sinal sai do telefone do usuário pela rede HFC (Hybrid Fiber/Coax) até uma central da Embratel. “A tendência é ir agregando serviços ao VoIP. O sistema poderá avisar, por exemplo, quando eu estourar o valor da minha franquia de assinatura”, diz Marcio Carvalho, diretor de produtos e serviços da NET. “Além disso, queremos acompanhar nosso cliente fora de casa. Estamos estudando um NET celular”, afirma.

Já a Telemar entra indiretamente no pacote TVA Voz, num acordo com a TVA. Quem presta o serviço é a operadora brasileira Neo Voice, criada em 2005. “Quando o assinante tira o telefone do gancho, reservamos uma faixa de banda do Ajato para garantir a qualidade”, diz Amilton de Lucca, diretor de desenvolvimento do mercado corporativo da TVA. A empresa estreou nessa área em junho de 2005, com a operadora Primeira Escolha, que já saiu de circulação. Com a venda de parte da TVA para a Telefônica, o grupo espanhol também pode entrar em campo. “Existe a possibilidade de a Telefônica ter um serviço VoIP próprio ou minutos no nosso pacote”, afirma Leila Loria.

Na Telefônica a estratégia tem sido a de mexer nas tarifas do sistema tradicional. E, em alguns casos, chega a bater o preço do VoIP. A empresa a? rma que está estudando a voz sobre IP, mas não diz quando estreará. “Deverão ser serviços complementares aos que o cliente tem hoje”, diz Benedito Fayan, diretor regional de inovação da Telefônica. Nem em sua sede, na Espanha, a empresa mostrou a cara de seu VoIP doméstico. Por lá, a oferta de triple play inclui o ADSL, o Imagenio (nome de sua IPTV, com mais de 60 canais) e pacote de telefone tradicional.

A Brasil Telecom colocou no mercado há um ano o VoipFone, mas afirma que as vendas ainda não são expressivas. O usuário contrata uma franquia de minutos e paga como um celular. “Por enquanto, o tráfego do VoIP é incremental. Se estivéssemos sendo invadidos pelo Skype, estaríamos reagindo com mais força”, afirma Ricardo Knoepfelmacher, presidente da Brasil Telecom.

É numa nova geração de empresas, criada sob o signo do VoIP, que brotam boa parte das iniciativas. São nomes como Tellfree, TMais, Hip Telecom, Transit Telecom, Taho e Nexus. Fundada no início de 2005 por dois sócios brasileiros, a Tellfree tem 30 funcionários e 5 mil clientes, 90% deles corporativos.

Está presente em 161 cidades. Para se expandir pelo país, bolou um sistema de franchising — são 62 franquias VoIP, com previsão de chegar a 150 até o fim do ano. A Tellfree se prepara para oferecer serviços baseados no protocolo ENUM (sigla de TElephone NUmber Mapping), que permitirá unificar números de telefone e endereços de e-mail. Também estuda a escolha de um softfone com recursos de colaboração. “Até abril, teremos vídeo e transferência de arquivos”, diz Daniel Duarte Filho, diretor-geral e um dos sócios da Tellfree. Imitando os princípios da telefonia fixa, a empresa vai começar a trabalhar com minutos mais baixos para ligações locais no VoIP.

Muitos dos novos nomes do VoIP estão se dirigindo para o SMB, o mercado das pequenas e médias empresas. É o caso da TMais. “É um segmento onde o valor da conta pesa muito”, afirma Marcos Gordon, diretor comercial da TMais. A Transit Telecom tem entre 4 e 5 mil clientes, a maioria no SMB. “Também olhamos para as redes de acesso sem fio, que vão concorrer com o 3G e o 4G”, afirma Alexandre Alves, vice-presidente de tecnologia da Transit Telecom.

Outro exemplo que mira tanto o SMB como as tecnologias sem fio é a Hip Telecom. “O atraso do WiMAX está prejudicando a evolução das empresas de VoIP. Não tenho banda larga, por exemplo, em boa parte dos meus clientes da região de Diadema, na Grande São Paulo”, diz Paulo Humberg, presidente da Hip Telecom. Fundador da empresa, Humberg foi o empreendedor por trás do leilão online Lokau, incorporado ao MercadoLivre.

A estreante brasileira Nexus buscou um parceiro na área do hardware para criar seu serviço Vonex: a Linksys, divisão da Cisco. Seu VoIP entrou no ar há cinco meses e começa a ser oferecido ao varejo neste mês. A empresa tem cerca de 5 mil clientes. “Estamos trabalhando para oferecer serviços no celular”, diz Rabih Hanna, diretor e um dos sócios da Nexus.

Enquanto o VoIP flerta com os mais diferentes tipos de dispositivos, existe uma turma torcendo para que a palavra suma do mapa. E não são as operadoras de telecom: é o time do próprio Skype. “O VoIP será algo tão transparente e fácil de usar que ninguém lembrará desse termo. Teremos serviços que não dependem do tipo de dispositivo nem da rede”, diz Alberto Lorente. Alô? Hello? Hallo? Tanto faz a língua que você está falando neste momento. O telefone irá aonde você for.

Fonte: Info-OnLine

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